A mulher de
Lot – Wisalwa Szymborska
Dizem que olhei para trás
curiosa.
Mas quem sabe eu também tinha
outras razões.
Olhei para trás de pena pela
tigela de prata.
Por distração – amarrando a tira
da sandália.
Para não olhar mais para a nuca
virtuosa
do meu marido Lot.
Pela súbita certeza de que se eu
morresse
ele nem diminuiria o passo.
Pela desobediência dos mansos.
Alerta à perseguição.
Afetada pelo silêncio, na
esperança de Deus ter mudado de ideia.
Nossas duas filhas já sumiam para
lá do cimo do morro.
Senti em mim a velhice. O
afastamento.
A futilidade da errância.
Sonolência.
Olhei para trás enquanto punha a
trouxa no chão.
Olhei para trás por receio de
onde pisar.
No meu caminho surgiram
serpentes,
aranhas, ratos silvestres e
filhotes de abutres.
Já não eram bons nem maus –
simplesmente tudo o que vivia
serpenteava ou pulava em pânico
consorte.
Olhei para trás de solidão.
De vergonha de fugir às
escondidas.
De vontade de gritar, de voltar.
Ou foi só quando um vento me
bateu,
despenteou o meu cabelo e
levantou meu vestido.
Tive a impressão de que me viam
dos muros de Sodoma
e caíam na risada, uma vez, outra
vez.
Olhei para trás de raiva.
Para me saciar de sua enorme
ruína.
Olhei para trás por todas as
razões mencionadas acima.
Olhei para trás sem querer.
Foi somente uma rocha que virou,
roncando sob meus pés.
Foi uma fenda que de súbito me
podou o passo.
Na beira trotava um hamster
apoiado nas duas patas.
E foi então que ambos olhamos
para trás.
Não, não. Eu continuava correndo,
me arrastava e levantava,
enquanto a escuridão não caiu do
céu
e com ela o cascalho ardente e as
aves mortas.
Sem poder respirar, rodopiei
várias vezes.
Se alguém me visse, por certo
acharia que eu dançava.
É concebível que meus olhos
estivessem abertos.
É possível que ao cair meu rosto
fitasse a cidade.